'Segredos': Livro de Starnone sobre o peso do medo e de paixão mal resolvida vira filme interessante 1z3116

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O núcleo da história mora no desafio entre dois amantes. Para fortalecer a união, a mulher propõe ao homem que cada um deles conte ao outro um segredo que, se revelado, pode destruir sua vida. É o que existe de mais íntimo, quase como um juramento de fidelidade pelo pacto de morte. Essa insólita troca de juras de amor está em Segredos, filme de Daniele Luchetti adaptado do romance homônimo do escritor italiano Domenico Starnone.

Elio Germano interpreta Pietro, jovem professor em uma escola na periferia de Roma. É informal, enérgico, vital. Alunos e alunas o adoram. Teresa (Federica Rossellini) vai além da iração geral - o ama. Envolvem-se. O amor tórrido entre os dois não dura tanto como prometia. Mas os consome como fogo. Essa paixão efêmera está na base do pacto descrito no primeiro parágrafo deste texto.

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O filme de Daniele Luchetti funciona à base de idas e vindas no tempo. E também no retrato dinâmico das mudanças que o tempo imprime às pessoas. De como um professor esforçado e simpático pode se transformar numa espécie de sumidade do sistema educacional do seu país, a Itália. E de como uma aluna brilhante, porém meio sem rumo, pode virar uma disputada especialista de alta matemática, a ponto de ser contratada por uma universidade norte-americana - a história é do tempo em que aquele país prezava a inteligência internacional e procurava atraí-la para suas fronteiras.

Cineasta competente e bom elenco 6w2x2j

Como é o filme? Luchetti não é exatamente um cineasta experimental. Não se trata de alguém famoso por sua veia inventiva, mas sim pela maneira competente como trabalha seus projetos. Quando tem um bom material como ponto de partida, mostra-se apto a dirigir uma história sem comprometer o original.

Foi o que fez em outro filme baseado na obra do mesmo Domenico Starnone - Laços, de 2020. Os dois romances estão publicados no Brasil pela Todavia.

Luchetti é bom também na escolha de elenco. Qualquer filme que tenha no elenco um ator do nível de Elio Germano já sai na dianteira. Ele é hoje um dos mais requisitados em seu país (ao lado de feras como Toni Servillo e Piersco Favino), e não por acaso. Mostra a intensidade de seu Pietro quando jovem, e o seu declínio quando essa luz já aparece esmaecida, quase apagada, na velhice do professor.

Um ser amargurado, inseguro, medroso, que acabou se casando com outra mulher, desenvolveu uma carreira mais por golpes de sorte que por brilho próprio e agora se aposenta ganhando um prêmio de prestígio a ser entregue pelo próprio presidente da república no Palácio Quirinale, sede do governo. O prêmio pode ser sua distinção, fecho brilhante de uma vida pouco notável, ou então sua desgraça.

Federica Rosellini é uma partner adequada a Elio Germano embora seu papel seja menor e exija menos. Sua Teresa consegue guardar um ar de mistério, um sorriso discreto à la Mona Lisa, que aparece, vez por outra, para atormentar o pobre professor e lembrá-lo de que ela, e só ela, detém o conhecimento de sua face mais obscura.

Ao longo da história nos é mostrado um pouco da trajetória de Pietro, afinal o personagem principal dessa trama. Vemos como leva sua vida, a insinuação de um certo vazio, embora com carreira relativamente bem-sucedida e casamento sem sal e com algum tumulto interno. Mas o que parece sempre devorá-lo por dentro é seu antigo relacionamento com Teresa, relação feita de paixão mal resolvida e temor. "Minha consorte fantasmática", como ele diz no livro.

Pietro, com sua ambígua insegurança, é um protagonista fragilizado, pouco confiável. Nunca sabemos quando está vivendo ou interpretando um papel. Mesmo nas situações mais agudas, não deixa de ser ambivalente, como acontece na dramática abertura do filme, quando o vemos velho e tão desesperado a ponto de jogar de uma janela. Ou seria um jogo de cena?

Sem ser genial, Segredos é um filme interessante e prende a atenção. Luchetti traz para o cinema as questões de ambiguidade moral que são marca registrada da prosa de Domenico Starnone e estão no centro da nossa cultura atual, tão permissiva quanto moralista.

Starnone e Elena Ferrante 20k5x

Para finalizar, é preciso dizer algumas palavras sobre Domenico Starnone. O escritor tem 82 anos e nasceu em Saviano, província de Nápoles. Até hoje desconfia-se que seja marido da badalada escritora Elena Ferrante, pseudônimo literário da autora de A Amiga Genial, volume inicial da famosa tetralogia napolitana sobre duas personagens femininas, amigas (e rivais) da infância à idade adulta, e que virou best-seller mundial e série de streaming.

A esposa de Starnone é a tradutora Anita Raja, que muitos suspeitam ser o nome civil de Elena Ferrante. Outros levantam a hipótese de que o próprio Starnone seria Elena. Enfim, até hoje não se esclareceu esse gossip literário e o casal não está nem um pouco afim de esclarecê-lo. Talvez até ajude a vender livros e filmes.

A verdade é que tanto Elena Ferrante quanto Domenico Starnone - se forem pessoas distintas - gostam de tramas sobre a dubiedade da subjetividade humana, ambivalências morais, imes do casamento monogâmico, coisas assim, entrelaçadas e, muitas vezes, inextricáveis.

São prosas atraentes, que exprimem situações complexas em palavras simples e se deixam ler sem qualquer dificuldade. Atiçam a imaginação dos leitores. Assim como prendem na cadeira os espectadores quando transpostas para a tela grande do cinema ou a pequena da TV.